CORTES | UVAS
A videira é uma planta trepadeira com um ciclo de vida relativamente longo. Cada variedade natural, cada casta, apresenta folhagem própria, com cachos distintos no tamanho e na forma, oferecendo sabores diferenciados que dão origem a sucos únicos e, necessariamente, a vinhos com perfis, sabores e aromas distintos. Existem mais de 4.000 variedades de uvas catalogadas em todo o mundo. Portugal apresenta-se como o segundo país do mundo com maior número de castas indígenas, variedades únicas e exclusivas, inexistentes em qualquer outra parte do mundo. No Alentejo, para além das muitas castas nativas que imprimem um forte caráter regional, variedades perfeitamente adaptadas à geografia e às condicionantes da paisagem alentejana, primam outras variedades estrangeiras de introdução relativamente recente, castas de valor reconhecido que reforçam a liderança vitivinícola do Alentejo. Confira abaixo as castas que você encontra na região.
ANTÃO VAZ
As origens da casta Antão Vaz continuam envoltas em mistério. Ainda hoje, para além da mais que confirmada ascendência alentejana, pouco se sabe sobre a sua filiação e procedência. Por ser uma casta regional, por ter viajado tão pouco, não se lhe conhece qualquer sinônimo oficial. É na Vidigueira, e também em Évora, que a casta Antão Vaz se expressa com maior eloquência, ganhando uma reputação de complexidade e sapiência que a levou ao estrelato regional.
É uma variedade consensual e bem amada, querida por viticultores e enólogos, o ex-libris das castas brancas alentejanas, orgulho e alma dos melhores vinhos brancos do Alentejo. Por ser uma casta procedente de clima quente, a Antão Vaz encontra-se particularmente bem adaptada ao clima soalheiro da grande planície, obtendo elevados padrões de resistência à seca e às maleitas. Por regra dá corpo a vinhos perfumados, estruturados, firmes e encorpados, embora em condições adversas se lhe reconheça a falta de acidez refrescante e revigorante. Por isso é tantas vezes lotada com as castas Roupeiro e Arinto, para garantir uma acidez natural mais aguçada. Se vindimada cedo dá origem a vinhos vibrantes na acidez, exóticos no aroma e firmes na boca. Quando vindimada tardiamente, pode atingir grau alcoólico elevado, aliado a aromas perfumados, o que a transforma numa candidata exemplar para o estágio em barricas de madeira nova. Quando engarrafada em extreme, a Antão Vaz exibe aromas arrebatados de fruta tropical madura, casca de tangerina e discretas sugestões minerais.
ARINTO
Pela sua versatilidade a casta Arinto propagou-se por grande parte do território nacional, assumindo diferentes sinônimos ao longo do país, com nomes tão distintos como Pedernã, Pé de Perdiz Branco, Chapeludo, Cerceal, Azal Espanhol, Azal Galego e Branco Espanhol! Oferece vinhos tensos e vibrantes, de elevada acidez natural e perfil marcadamente mineral, vinhos frescos e com bom potencial de guarda. A acidez inflexível é seu cartão de visita, adquirindo o título de casta melhorante no Alentejo. Se é em Bucelas que a casta Arinto atinge o seu apogeu, engarrafada tradicionalmente como vinho extreme, é no Alentejo que a sua assistência se revela mais determinada pelo aporte de uma acidez tão necessária. Aromaticamente discreta, sem qualquer tipo de pretensões de exuberância ou intensidade, privilegia os apontamentos de maçã verde, lima e limão, acompanhados por um carácter vegetal e uma mineralidade pungente. Sob circunstâncias muito particulares, pode adquirir carácter tropical, recordando o exotismo do maracujá.
As macerações e fermentações prolongadas a baixa temperatura, restituíram-lhe o brilho de que estava arredada. A fermentação em madeira assenta-lhe bem, perdendo no entanto potencial de guarda em garrafa com a operação.
ROUPEIRO
É uma casta de extremos, de relações apaixonadas e de alguns ódios de estimação. Sabe-se pouco sobre as suas origens, embora a enorme variabilidade genética que apresenta sugira ser uma casta antiga em terras lusas. Evidencia uma distribuição geográfica peculiar no território, alongando-se numa faixa estreita de Norte a Sul, sempre no interior, junto à raia espanhola. Os sinônimos transbordam de acordo com a localização, incluindo nomes tão diversos como Síria, Alvadourão, Crato Branco, Malvasia Grossa, Códega, Alva e Dona Branca. Mas é sob o apelido tradicional alentejano, Roupeiro, que a casta é melhor reconhecida, continuando a constar como a casta branca mais plantada no Alentejo. Nos anos oitenta foi considerada como a casta branca mais representativa do Alentejo, a mais promissora e relevante para a região, recomendada para quase todas as sub-regiões. Por produzir muito, mas, também, pelos aromas primários entusiasmantes, pelas notas perfumadas e sedutoras de frutos citrinos, oferecendo, por regra, muita laranja e limão, sugestões de pêssego, melão, loureiro e flores silvestres. Infelizmente, e por isso alguns a contestam, perde demasiado depressa a exuberância aromática inicial, volvendo-se neutra e previsível após alguns meses em garrafa.
Também lhe apontam a penúria de capacidade de guarda, o que a converte numa variedade especialmente habilitada para vinhos de rotação rápida e ciclo curto.
ALFROCHEIRO
A pequena variabilidade genética da casta Alfrocheiro sugere que a variedade será de génese recente, ou alternativamente, de introdução recente em Portugal. Não se lhe conhece parentesco estrangeiro ou origens nacionais, apesar de em tempos ter sido conhecida pela designação "Tinta Francesa de Viseu". Encontrou o seu território natural no Dão, embora se assista a uma crescente popularidade da casta a sul, numa migração imparável para paragens alentejanas. É uma casta fértil e abundante. Produz vinhos ricos em cor, com um equilíbrio notável entre álcool, taninos e acidez. E é essa incrível capacidade para reter uma acidez natural elevada, aliada à riqueza em açúcares, que a torna tão atraente nas terras do Sul. A forte concentração de matéria corante deu abertura para que a casta seja frequentemente qualificada como Alfrocheiro Preto. Infelizmente é também uma variedade propensa a doenças, sobretudo oídio, podridão cinzenta e escariose, o que poderá ajudar a explicar a baixa popularidade no seu Dão natal.
Aromaticamente sobressaem os aromas de bagas silvestres, com destaque particular para a amora e o morango selvagem maduro. Dá corpo a vinhos de taninos firmes mas delicados, finos e estruturantes. Nem sempre tem capacidade para brilhar a solo, mas é um apoio fundamental e decisivo nos vinhos de lote.
ALICANTE BOUSCHET
Apesar de não ser formalmente uma casta portuguesa, a Alicante Bouschet está tão enraizada no património coletivo do Alentejo que hoje a assumimos como tal. Na verdade é uma variedade emigrante, nascida do casamento forçado entre as castas Petit Bouschet e Grenache. É uma variedade tintureira, das poucas raras existentes no mundo, capaz de proporcionar vinhos intensos e carregados de cor, característica que deu origem a um dos sinônimos não oficiais pela qual é conhecida - "Tinta de Escrever". Em Portugal o seu descanso natural sempre foi o Alentejo. Entre os seus múltiplos atributos, surgem qualificativos como estrutura, firmeza, taninos... e cor, muita, muita cor! Só raramente é engarrafada sozinha, reforçando a ideia de casta rústica e estruturante, que pode dar origem a vinhos voluntariosos e extraordinários. Faz maravilhas num lote, acrescentando cor, vigor e volume, como tantos vinhos do Alentejo podem bem comprovar. Dos seus descritivos aromáticos constam os frutos silvestres, cacau, azeitona e notas vegetais. É, seguramente, a casta estrangeira mais portuguesa de Portugal.
ARAGONEZ
É a casta ibérica por excelência, uma das poucas a ser plantada e valorizada nos dois lados da fronteira. A ascendência espanhola é inequívoca, com mais de uma região soberana do país vizinho a reivindicar a sua paternidade. Na Rioja, o berço mais provável da variedade, é conhecida pelo nome Tempranillo, intitulando-se Cencibel em La Mancha, Ull de Llebre na Catalunha, Tinta de Toro em Toro, Tinta del Pais e Tinto Fino em Ribera del Duero e Tinta de Madrid nas vinhas da capital espanhola. Em Portugal, para além do nome Aragonez, é igualmente conhecida pelas designações Tinta Roriz no Dão e Douro, e Abundante na Região de Lisboa.
Poucas variedades serão tão eloquentes e diretas na designação como a casta Aragonez. Na Rioja, alcunharam-na como Tempranillo por ser uma casta temporã (temprana), que amadurece cedo, ainda antes das chuvas outonais de Setembro, escapando às primeiras chuvas do equinócio. Na Estremadura deram-lhe o nome de Abundante por ser uma variedade muito produtiva, vigorosa e proveitosa. É uma casta de ciclo curto, de abrolhamento tardio, o que a protege das geadas primaveris. Capaz do melhor e do pior, transcende-se nos anos mais exigentes, quando oferece rendimentos mais baixos, em climas quentes e secos e em solos arenosos ou argilo-calcários. Nessas condições sanciona vinhos que combinam de forma feliz elegância e vigor, fruta farte e especiarias, num registro alegre mas profundo. Por revelar tendência para apresentar níveis de acidez baixa, agradece a companhia de outras castas alentejanas, sendo regularmente lotada com as variedades Trincadeira e Alicante Bouschet.
CABERNET SAUVIGNON
A casta Cabernet Sauvignon, a mais internacional de todas as castas francesas, com presença assegurada nos cinco continentes, conseguiu encontrar um espaço e um estilo muito especiais no Alentejo, uma das raras regiões nacionais onde a variedade consegue amadurecer com maestria e plenitude. A casta Cabernet Sauvignon é aquilo que se pode citar como uma variedade melhorante, de cor carregada e pele grossa, capaz de apimentar os lotes, dando corpo e consistência a vinhos bem compostos e perfumados, frutados e condimentados. No Alentejo é raramente engarrafada em extreme, estando presente minoritariamente em muitos lotes de vinhos regionais alentejanos como casta estruturante. Amada pela sua versatilidade, resistência e aprumo, oferece vinhos de enorme longevidade que envelhecem com garbo e segurança.
CASTELÃO
Durante décadas foi conhecida como Periquita, tendo posteriormente sido condenada a alterar o nome para Castelão, sendo igualmente conhecida pelos nomes João Santarém, Trincadeira (ou Trincadeiro) e Tinta Merousa no Douro. Apesar das semelhanças fonéticas, a casta Castelão não apresenta qualquer relação de parentesco com a variedade Castelão Nacional, também identificada como Camarate. Durante décadas foi a casta tinta mais plantada em Portugal e no Alentejo, recomendada e com presença maioritária na quase totalidade dos encepamentos das oito sub-regiões alentejanas. Hoje encontra-se em franca regressão, ignorada nas novas plantações e arrancada ou reenxertada nas poucas vinhas velhas onde subsiste. Em vinhas maduras e de baixa produtividade, devidamente controladas, o Castelão pode dar consistência a vinhos estruturados, frutados, com ênfase na groselha, ameixa em calda, frutos silvestres e notas de caça. A acidez costuma ser assertiva, com taninos proeminentes, proporcionando um carácter rústico e por vezes agressivo, de que o Castelão raramente consegue descolar. Os bons vinhos prometem boa capacidade de envelhecimento. Infelizmente, sempre que o vigor não é devidamente controlado, os vinhos resultam agressivos, magros, descolorados e um pouco ácidos.
SYRAH
Entre as castas estrangeiras presentes em solo nacional, a Syrah é a variedade que melhor se adaptou ao clima rigoroso do Alentejo, ajustando-se facilmente aos calores de Verão, às infindáveis horas de insolação e à severidade das temperaturas estivais.
Nos solos quentes e pobres do Alentejo, a casta Syrah presta-se regularmente a uma aproximação típica do novo mundo, consagrando frequentemente vinhos enormes na dimensão e entrega, com muita fruta, alguma pimenta, corpo avantajado e robusto, por vezes poderosos e alcoólicos, usualmente condimentados. Vinhos temporões na maturação, abordáveis desde muito cedo, vinhos macios e convidativos, com elevado potencial de guarda. Raramente é vista na versão extreme, embora exista, participando minoritariamente nos lotes de muitos dos vinhos mais emblemáticos do Alentejo.
TOURIGA NACIONAL
Se algum dia se elegesse uma casta nacional para representar os vinhos portugueses, a Touriga Nacional seria, inevitavelmente, a variedade eleita como insígnia de Portugal. Durante gerações floresceu nas regiões do Dão e Douro, até chegar a invasão da filoxera. Num ápice converteu-se de casta principal em casta desterrada por produzir pouco e desavinhar com frequência.
Os ensaios recentes de recuperação e seleção dos melhores clones da Touriga Nacional elevaram-na de novo ao estatuto de atriz principal incontestável da viticultura nacional. Hoje é a variedade nacional que mais viaja, a mais desejada e elogiada das castas nacionais, dentro e fora de fronteiras, conquistando espaço em todo o território nacional, bem como na Espanha, Austrália, África do Sul e Califórnia. Dão e Douro reclamam para si a paternidade da casta Touriga Nacional, que ainda assume os sinônimos Preto Mortágua, Mortágua, Tourigo Antigo e Tourigo. A película grossa ajuda a obter cores densas e profundas, um dos marcos distintivos da variedade, mas é a abastança e profundidade dos aromas primários que melhor identifica e valoriza a casta. Por vezes floral, por vezes frutada, por vezes citrina, mas sempre intensa e explosiva, com ares de nobreza e urbanidade. Os seus atributos são também os seus principais defeitos, pois a exuberância pode, em condições extremas, chegar a revelar-se excessiva. Funciona melhor em lote que sozinha, aportando uma magnificência aromática inconfundível.
TRINCADEIRA
A Trincadeira é reconhecida sob diversos sinônimos ao longo do território continental, adotando os nomes de Trincadeira Preta, Tinta Amarela, Espadeiro, Crato Preto, Preto Martinho, Mortágua e Rabo de Ovelha Tinto. É uma variedade temperamental, uma casta de amores e ódios extremados, particularmente bem adaptada às regiões mais quentes do país. Especialmente vigorosa, necessita de vigília e refreio permanentes, de cuidados extremos no controle da produção. Os rendimentos são tendencialmente elevados, apesar de irregulares e imprevisíveis. Por ter um cacho muito compacto é especialmente susceptível à podridão, afirmando-se em pleno nos solos mais pobres e nos climas secos e quentes. A Trincadeira é uma das variedades melhor adaptadas à secura e canícula do Alentejo. Dá corpo a vinhos aromáticos e frutados, tendencialmente florais, por vezes com apontamentos vegetais quando a maturação é deficiente. Entre as suas distintivas e conveniências conta-se a elevada acidez natural, característica desejada e necessária nas terras quentes do Alentejo. Por tradição, a Trincadeira surge regularmente associada à casta Aragonês, um dos seus parceiros de eleição, formando um dos lotes mais complementares e felizes do Alentejo. Apesar de difícil e temperamental, é uma casta indispensável no Alentejo.